A vúlva e a valva (não contem a Gabrielle)
Era sábado.O sol queimava como se precisasse dar satisfação a alguem:fraco.E era só ele que testemunhava aquele corpo nú e triste.
Quarto grande.SEgundo andar.Bairro limpo.Chique.De gran finesse.Mas era um puteiro , de luxo , sim...mas ainda puteiro. Putas de luxo , sim...mas putas. Mulher que vende amor , vende o corpo , vende ilusão...mais ilusão do que qualquer artista possa fazer.
O sol passava sorrateiro pela janela e pelas cortinas despretenciosamente mal fechadas ou mal abertas (não se sabe e nem tem importância alguma aqui)...a cama ficava de costas pra janela.E aquele corpo triste deitado ali.Nú.Gabrielle.O nome daquele corpo , triste corpo era Gabrielle.
E apenas o sol se deliciava passando pelo rosto dela.Rosto deliciosamente sugestivo ao sacrossantismo , ao puritanismo , ao beijo , a felação.Pele branca ,quase lactínea.Depois pelo pescoço.Pelos peitos(falar seios seria muito diminutivo aquela obra de digna de picasso) cheios , fartos , certos ...e mamilos que pareciam só se completar na presença de uma lingua a acariciá-los.
Depois o sol deliciava-se com a barriga.AH!esse sol..só ele por testemunha desses encontro do santo e o devasso.Abdômen rígido...pêlos levemente dourados e muito sutis e educados ao contato externo.Ventre.Monte de Vênus.Vulva.Ela sim.em toda sua magnificência.Colocada na terra como um mártir para propiciar a grandiosidade humana tanto a reprodução de tão nobre raça quanto ao seu deleite sexual, voyerístico ou masturbatório.Ah!!!senhores...a vulva.Só ela salva.Mas essa vulva já tinha visto muitos homens , já tinha deixado alguns felizes , outros perdidos , outros enojados...mas a verdade é:já tinha se defrontado com vários homens de diversos tamanhos , cores , pesos , grossuras em várias batalhas de intensidade vulgar e intensa.
Mas só um desses homens fez essa vulva mais feliz , mais querida , mais acolhida , alegre e por assim dizer,lubrificada.
E ele repousava naquele momento , fraco e inerte de suas forças vitais, no hospital.Coração.Problemas.E nome curioso tinha o problema desse coração:valva.
e pra ser mais exato a valva aórtica que permite ao sangue fluir do ventrículo esquerdo à aorta ascendente.
E aquele corpo resumido á cabeça dos homens a uma vúlva sofria por conta das valvas de um cardíaco.Cardíaco, esse , que era bom homem , tinha feito fortuna , trabalhando desde cedo na bolsa de valores , mexendo e remexendo com números , números grandes quase que comparáveis ao infinito, sempre exato e competente na labuta do ganhar dinheiro.Mas aquela máquina de bater nunca tinha se apaixonado na vida inteira...e se pra ele era desespero pq aos 49 anos sua valva aórtica o fez cair em uma maca de hospital e o encher de tubos e artes medicinais que os médicos de hoje o obrigaram a se submeter.
E o seu único amor?o único que tinha tido?Era um puta de luxo.Sim.Mas puta ainda.A única mulher que o fez feliz , terminantemente ectasiado de gozo e amor.Tinha sido ela, Gabrielle e sua vúlva.
Ela chorava por seu cardíaco e só o sol olhava.Mas o médico tinha dito que aquilo poderia ser facilmente resolvido.Uma intervenção cirúrgica.Um bisturi.Sangue.Aquela vulva não gostava de sangue.Gabrielle não gostava de sangue.Mas o médico disse.E aquela tristeza não era de luto...era a simples tristeza de saber que se era puta e seu único homem, ao qual ela poderia chamar de dela estava no hospital.Mas o médico disse.Ele ficaria bom.Viajariam.Trepariam e fariam amor várias vezes ao dia.e tudo ia ser bom.
O primeiro homem da vida dela.
A primeira mulher da vida dele.
E tudo seria bom.
Era sábado, 5 e 57 da tarde.Ela se animou vestiu uma roupa mais discreta e foi visitá-lo.Comprou flores.E levou uma foto dela pra colocar ao lado da cama do homem de negócios.Dali até o hospital eram 25 minutos de carro.
Depois das flores ela foi direto ao hospital.
Ele se foi também.Teve parada cardíaca as 5 e 56 da tarde.
Gabrielle iria chorar até os olhos secarem.Iria se vingar da providência divina nela mesma...não nos pulsos , na cabeça ...mas na vúlva.Homens...vários homens iriam conhecê-la até ela não se chamar mais Gabrielle e só ser a vúlva.
Mas ela choraria mais ainda, não pela perda em si...mas se soubesse que o último pensamento dele até mesmo na hora da dor tinha sido pra ela.
Isso ela não saberia.
Por favor nao contem a Gabrielle.
rigoberto lima , contista de quinta , músico de sexta , fotógrafo de nada
quinta-feira, março 23, 2006
a vulva e a valva
Postado por rigoberto.lima às 1:56 PM
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