Eles são separados... Há tempos. Existem filhos. Todos formados, alguns casados, outros procurando um caminho, mas todos seguindo. Eles foram casados por tempo suficiente para ter filhos de forma que datas comemorativas não faltem por duas ou três gerações. Sempre vai existir um natal, uma formatura, um aniversário, um casamento ou um batismo. Tanto laço mesmo depois de separados cria uma intimidade velada entre os casais, só eles vêem, só eles sentem, só eles sabem... os tons de voz, as piadas subcolocadas, os silêncios ( entender silêncios é dádiva dada a poucos casais).
Enfim. Cada qual vive sua vida, cuida de sua casa. Alguns filhos já abriram a porta da frente da casa e já foram seguir suas vontades e gostos, mas sempre sabendo que o calor da casa da mãe vai estar sempre no mesmo lugar e que retornos rápidos sempre são bem vindos. E o pai... O pai, enfim, é o pai. Sempre como todos, as palavras doces e carinhos não são o forte de homens, da maioria, eles servem para outra coisa. Como todo pai separado tem aquele ar de largado pelos filhos depois da separação. As mães sempre tem uma vantagem desleal em relação aos pais. Eles trazem a comida mas as panelas são delas.
Certo dia, ele, visitando a casa dela para resolver um problema sobre qualquer coisa relacionada a alguns dos filhos (mesmo crescidos sempre tem que resolver suas coisas...quase que com a fidelidade de uma cláusula de contrato). Entrando sem ser anunciado e simplesmente abrindo a porta.
- Mãe! Papai tá aqui! – grita a filha mais nova sentada no sofá da sala, essa que teve menos contato com a imagem dos dois juntos, por conta disso guarde mais coisas dentro de si sobre os dois do que a sua vontade permita. – Oi, pai!.
- Oi, filha!
Um grito abafado pela distância e pelas paredes e corredores parece dizer alguma coisa como se a mãe já viesse. Não são encontros tensos mas talvez careçam de sentimentos mais concretos e palavras mais diretas.
Ele mira sobre a mesa ao lado da porta um emaranhado de fotos da família. Formaturas, festas, sorrisos, abraços, beijos, casamentos e dentre esses casamentos, o dele. Uma imagem perdida a mais de trinta anos, meio desbotada na cabeça dele. Talvez. É o primeiro porta-retrato no meio de tantos. Ele se aproxima. Pega. Olha com uma atenção que causa uma pausa na filha caçula que percebe essa feição reta e grave do pai para a foto e vê que ele vai falar alguma coisa...a respiração se interrompe...o ar por si só parece ter se aprisionado nos pulmões... palavras de feição e importância ímpar serão ecoadas naquela sala...a caçula sabe e sente isso. O pai se vira pra ela e com uma certeza absurdamente calma:
- Esse nó de gravata está muito bem dado, minha filha! Sua mãe ta demorando muito... Diz que eu volto depois das seis ou só amanhã mesmo.
E sai apressado batendo a porta.
Rigoberto Lima
quarta-feira, março 18, 2009
aquela foto
Postado por rigoberto.lima às 1:13 PM
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